O MUNDO DE BLOG
Como cogumelos cujas raízes se estendessem por quilómetros subterrâneos, janelas desproporcionadas publicitavam de tudo um nada, iluminando o mundo eléctrico do computador de Blog com a prodigalidade dos bits e bytes que sinalizavam o caminho universalmente aceite. O ecrã florescia em últimas novidades e actualizações. Não se lhes impunha a necessidade de perguntar a Blog se queria prosseguir: a predeterminação das hiperligações impedia o livre‑arbítrio e a navegação automática abria cada pequeno mundo privado à curiosidade do visitante virtual. “Bem-vindo!”: sorria-se a página inicial. “É bom partilhar contigo este meu veículo de opinião! Porque não te deténs e lês em mim? Tenho tanto para te dizer!” Cada sítio rivalizava com o próximo na originalidade da apresentação, a escolha mais sedutora avolumava-se por sobre o merecimento de ser a sua a melhor estratégia para cativar o presuntivo leitor. A cada dia, novos pequenos mundos acotovelavam-se por um lugar ao blogue. Era fundamental que fosse encontrada a característica de dominação, a imagem arisca e necessária que lhes consentisse o impulso para sair do limo do anonimato onde pululava esforçadamente a maioria dos recém‑chegados. Ávidos de reconhecimento, atavam-se uns aos outros no nó cego de se desenovelarem pelo dédalo, mas nesse mundo fantástico a primeira lei da natureza aplicava-se sem piedade contra os mais inábeis na arte de conquistar espaço vital.
Agora que o seu nome se tornara palavra constante nos motores de busca, Blog usava com parcimónia os chamarizes que o tinham feito mago das palavras electrónicas. Discípulos entusiasmados passavam a outros a palavra de Blog, e a página de Blog amadurecia na velocidade do tráfego. Nos primórdios desse seu reinado, Blog seguira pensativamente o número, já astronómico!, que o medidor registava a cada entrada no seu domicílio virtual. Entusiasmara-se sobretudo com os comentários escritos por desconhecidos e que lhe traziam o retorno da voz que fazia falar por si. Demorava‑se neles com a alegria da água ao reconhecer ter encontrado a sede. Perscrutava cada vocábulo com o afã adolescente de ver-se no olhar de outrem. Elogiosos, até em demasia, eram o cordão que o ligava ao outro lado do pequeno mundo… como se fora suficiente estender a mão sobre o ecrã para tocar a alma de quem o lia.
E, contudo, Blog sabia que muito mais do que milhares de fios entrecruzados o dividiam dos seus leitores. O murmúrio da corrente fixa da máquina era apenas um odioso recado dessa distância. O que deveras incomodava Blog era a percepção aguda de que a palavra viva, que se desenrola entre a língua mental de quem a diz e os ouvidos do espírito de quem a toma, não tinha lugar no ruído, ausente de tempo e reflexão, da palavra escrita na luz. Que sabe o teclado, frio desse fogo, do grito das gaivotas das palavras, se mais não conhece do que o som surdo do voo das teclas? Como dizer à ligeireza impessoal de uma página anónima sobre outra que há um invisível mundo maior dentro da visibilidade do pequeno mundo? Que lugar o do leitor à procura da palavra excepcional se era a regra a mediocridade da superabundância de escritos?
Não se passara um dia desde o primeiro édito em que a Blog não apetecesse ser, de novo, oculto.
E foi por tudo isso que, nesse dia, os internautas seguidores de Blog encontraram a porta cerrada.
Helena Maia
(Texto Publicado
in «Jornal dos Arcos», N.º 4, pág. 8.)
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