A TEIA
— UM CONTO QUE NÃO SE QUER FUTURO —
Escorando-se na estante poeirenta dos livros que Babel já não lia, o fio transparente e rendilhado expandia-se em linhas concêntricas e geometricamente perfeitas.
Não sabia porquê, o seu devaneio o levara a concentrar nelas o pensamento.
Talvez o conhecimento da aranha mais além não fosse do que a ciência natural de tecer a teia onde a mosca se enredara.
Talvez o voo despreocupado da mosca outro destino não soubesse do que a inevitabilidade de cair na armadilha hábil da aranha.
Qualquer das hipóteses, pensava Babel, nada acrescentava à evidência do avanço firme do aracnídeo em direcção à presa.
Teia.
Rede.
Cilada.
Complicação.
Sacudiu do espírito os sinónimos perigosos. O olho de Ciclope da webcam, vermelho e atento, reinava acima de tudo com amplitude de giroscópio. Ninguém sabia se a última actualização dotara esses vigilantes com a capacidade de leitura telepática. O melhor, dizia-se, era não arriscar e não pensar em divergência com os ditames do normalizado.
A primeira sessão informativa do dia nascia sobre a aldeia global e o piscar aflito do cursor lembrava a Babel que era tempo de iniciar a sessão. A voz monocórdica do locutor holográfico saudou-o familiarmente, e baliu longamente sobre os últimos acontecimentos. Num mundo onde a uniformização despira de identidade a diversidade entre os humanos e condenara ao ostracismo o direito ao livre pensamento, onde a excentricidade de ser diferente era motivo de isolamento em asilos psiquiátricos controlados pelo Líder Mundial, as notícias apregoavam apenas o consenso e a estandardização e davam conta da harmonia que reinava nos Estados Unidos da Globalidade.
Babel fez por mostrar-se atento.
Após o flash noticioso, seguiam-se vários minutos de publicidade.
Os anúncios a produtos completamente dispensáveis entupiram o ecrã com a corporeidade de imagens sedutoras que o tratavam pelo nome. Babel descobrira que o mesmo acontecia nos ecrãs dos seus vizinhos, embora as figuras esbeltas e os itens publicitados variassem consoante o utilizador. Ocorrera-lhe nessa altura que as exaustivas respostas pessoais que tinham de dar sempre que entravam num sítio da Rede encontravam assim maneira de retornar, como um tiro que saísse traiçoeiramente pela culatra. Mesmo sabendo-o, Babel reconhecia não haver outra alternativa senão prestar‑se a esse papel, e os dedos corriam agora ágeis e dóceis sobre as teclas coscuvilheiras, no afã de conseguir aceder aos conteúdos que o motor de busca antecipava na pesquisa solitária de hoje.
Na teia, o estertor da mosca nada podia contra a voracidade da aranha.
Helena Maia
(Texto Publicado
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