Por favor, não gostes de mim!
Pero eu dixe, mia senhor,
Que non atendia per ren
De vós bem, pólo grand’amor
Que vos sempr’ouvi al m’end’aven:
U vej’est’ar cuido no al,
Perque sempr’ouvi por vis mal
Per esso me fezestes bem.
Sempre levar assaz d’afan
por vós, mia senhor, e por én,
pois outro bem de vós de pran
non ouve, senhor, a meu sén,
sequer por quanto vos servi,
daqueste cuid’eu de min
que me tolhades vós én
Nada, senhor, mentr’eu viver;
e se vus conveer d’alguen
dissesse com’eu já perder
tal bem non posso que me vén
de vós, terredes, [eu] bem sei,
que non devia, poilo ei
per vós, a teel’en desden.
Afonso Sanches
Este texto de Afonso Sanches é uma “cantiga de amor”, um dos géneros cultivados pelos trovadores medievais. Neste tipo de cantigas, podemos ouvir, habitualmente, uma voz masculina a versar, em vários tons, o amor que sente por uma mulher.
No texto citado, o poeta dirige-se à própria amada, designada, no v. 1, por “mia senhor”, ou seja, “minha senhora”. Os ouvidos menos habituados à linguagem dos trovadores poderão estranhar que uma mulher seja “senhor”, mas a palavra em causa, herdada da terminologia feudal, era, então, uniforme.
O poeta diz que não espera “ben” da senhora (vv.2-3). Este termo designa, muitas vezes, no género vertente, algo que a senhora deverá conceder ao trovador que se coloca ao seu serviço. A partir daqui, o poeta vai jogar com vários significados da palavra, revelando uma mestria que dificulta a compreensão do texto. Assim, afirma que sempre sofreu por causa da senhora (v. 6) e que, por isso, ela sempre lhe trouxe felicidade (v. 7). Confuso? Claro!
O resto do texto continua a desenvolver esta ideia, com o poeta a pedir à senhora que não o prive do sofrimento. Como pode a infelicidade ser positiva? Pelo facto de ter como causa a amada. Deste modo, tudo o que derive de uma tal mulher será sempre bom, mesmo que seja mau. Ou ainda: mesmo que a senhora só lhe dê desprezo, estará a dar-lhe alguma coisa, o que já não é mau.
Fernando Nabais
(Texto Publicado em JANEIRO DE 2006,
in «Jornal dos Arcos», N.º 1, pág. 8.)